Monday, October 27, 2014

A minha nova vida nova

Abri a porta do apartamento vazio pela primeira vez. Era dificil de acreditar, mas aquela seria a minha nova casa. As paredes ainda cheiravam tinta, nao havia moveis nem luzes. Olhar para todo aquele espaco que deveria ser preenchido apenas por mim me fazia sentir assustadoramente solitaria.  Antes era comum que toda a minha vida coubesse dentro de um pequeno quartinho de 14 metros quadrados. As roupas nao eram muitas, o computador em uma mesinha e um colchao no chao. Nao era necessario possuir mais do que isso. Era assim que eu havia passado os ultimos anos na Alemanha. Mas agora em uma outra terra, uma nova vida me aguardava. Os poucos pertences nao eram suficientes para encher os comodos vazios.
Percebi entao que teria muitas coisas para comprar nos proximos meses. A lista de prioridades comecava por itens bastante basicos: cama, guarda roupa, pratos, copos...
 Nao demorou muito para que eu descobrisse que tudo isso custava bastante dinheiro, especialmente na Suica. Tambem nao demorou muito para que eu esbarrasse em questoes basicas de logistica e transporte, por exemplo, como mover um sofa para o terceiro andar sem um elevador.
Sem um carro, e acostumada a andar de strassenbahn, me surpreendi ao descobrir que muitas das lojas na regiao ficavam localizadas longe das zonas residenciais e com acesso possivel somente por automovel. Atravessei uma fazenda a pe, pulei a linha do trem, e corri de um cachorro para conseguir chegar no centro comercial que vendia moveis mais proximo de onde eu morava (detalhe, era inverno). Na volta, chamei um taxi, claro.
Felizmente, Deus colocou pessoas muito boas no meu caminho, que me ajudaram no transporte e montagem da mobilia nova. As caixas se amontoavam pelo corredor e meus finais de semana incluiam obrigatoriamente passeios pela IKEA.
A campainha soou:
- Boa noite! Eu sou o zelador do condominio. Moro no predio ao lado, da minha sacada vejo o seu apartamento. - Disse o velhinho com o braco tremulo que bateu a minha porta naquela quarta-feira anoite. - Vejo que voce é nova por aqui. Se precisar de algo, aqui está meu telefone.




Sunday, June 29, 2014

Não quero mais um inverno...

"Vielleicht kommt dann kein Winter mehr, ich will keine Winter mehr"

Ao retornar do Brasil, encontrei-me com aquele típico cenário de novembro -  as folhas secas como um tapete se espalhavam pelas ruas e um céu cinzento cobria a cidade.
Era o final do outono marcando também o final daqueles anos de vida na Alemanha.
Naquele ano também comemorei o dia de ação de gracas (Thanks Giving) pela primeira vez, a convite de uma amiga. Eu percebi que não me bastaria apenas um dia para agradecer por tudo o que havia em minha vida recebido. Especialmente porque gratidão não deve ser um ato isolado, mas apenas o reflexo de um andar em continua ciência de que todo o bem recebido é vindo por mera graça.
No topo da minha lista de agradecimentos, estão em primeiro lugar as pessoas que encontrei pelo caminho durante essa longa caminhada, e era com eles que eu celebraria aquele momento.
Entre brindes e lagrimas, assim todos nos despedimos.
- A festa não está acabando, apenas mudando de endereço.- Disse uma amiga.
Sim, mais uma mudança nessa minha vida cigana. Eu lacrava as caixas e rasgava o coração por precisar partir mais uma vez. Também precisei fazer umas comprinhas adicionais - pois durante o verão eu  havia doado as minhas roupas de inverno para uma instituição social, pensando que voltaria a morar no Brasil.
Eu imaginava que a minha partida seria um final de uma história. Não poderia imaginar o que ainda estaria por vir...



"Und jeder Atemzug, hängt am seidenen Faden, solang bis wir da sind"

Monday, June 2, 2014

Das coisas inexplicáveis...

"E Deus disse: Moisés, diga ao povo que marche!" - explicava meu pai sentado a mesa farta na hora do almoço. Na casa de Dona Clores, minha avó, não é apenas o alimento para o corpo que é abundante, mas também aquele para a alma. A minha família de reformados, mesmo após a ida do vovô, continua esbanjando discussões teológicas com carne assada e bons vinhos.
"Ele não deu uma direção específica, quantos graus para o norte, quantos centímetros deveriam parar em frente ao mar... Ele penas disse que marchem. O povo marchou e o resto aconteceu." - continuava meu pai.
Argumentos ou contra argumentos surgiam dos vários tios, tias, primos... Todos protegidos por referencias diversas e a conversa se estendia até o entardecer.
Os gatos passeavam entre as nossas pernas sob a mesa e era difícil resistir a mais um pedaço de bolo.
Naquele momento, eu comecei a entender qual era a minha mensagem. Era hora de marchar.
Minha avó segurou a minha mão novamente e me disse: "Filha, estamos muito felizes por você e seu novo emprego. Vá com Deus para esse reino e encontre seu príncipe no alto da montanha."
É bastante claro que um dos últimos sonhos da minha avó é ver o meu casamento. Eu pedi a Deus que ela viva o suficiente para isso.
Mas após esses momentos, eu pude sentir que todas a minhas inseguranças quanto a me estabelecer em uma terra nova eram apenas pequenos detalhes. Encontrar um apartamento, comprar toda a mobília, conhecer pessoas novas, isso tudo que eu pedia são coisas tão pequenas comparados a imensidão do nosso criador. O meu temor era apenas uma reflexão da minha falta de fé.
Passeando com meu irmão a beira do rio,  nós tiramos várias fotos, demos boas risadas e eu pude me despedir da paisagem que sabia demoraria para ver novamente.
Então, com o contrato assinado, parti novamente. Dessa vez levando comigo todos os documentos que havia esquecido da última vez.




Wednesday, May 28, 2014

As surpresas da vida

Estávamos todas deitadas na piscina do SPA. As bolhinhas massageavam as nossas costas enquanto tagarelávamos incansavelmente. Como era bom estar com as minhas amigas. Eu não poderia imaginar uma outra vida longe daquela que eu havia estabelecido na Alemanha.
- E a sua entrevista como foi? - perguntaram....
Passei algumas horas contando todas as aventuras que se passaram no reino encantado e como eu estava esperançosa de conseguir aquela vaga, mas ao mesmo tempo bastante aflita com a necessidade de me mudar novamente...
Mas como não precisamos de muitos motivos além da própria vida para comemorar, fomos para casa estourar uma champanhe.
 Se passaram alguns dias, era um sábado anoite eu estava dentro do trem, indo encontrar uma amiga em uma dessas kneipes no centro da cidade quando recebi a chamada para uma segunda entrevista.
Um trem, outro trem, um atraso e perdi todas as conexões... Cheguei em algum ponto no meio da Suíça, a última estacão de trem que consegui alcançar era em uma pequena vila chamada Sargans, já perto de Liechtenstein. Era tarde da noite, não haviam mais trens ou outras formas de condução disponíveis.
Ainda bem que eu havia guardado o número do meu amigo taxista. Ele foi o meu socorro, me buscou, me levou até o reino encantado e me deixou na porta do hotel onde eu deveria ficar - e não quis cobrar nada pela longa jornada.
No dia seguinte, houve a segunda entrevista e a oferta de uma excelente posição naquela empresa.
Então voltei para a Alemanha.
Com um contrato em mãos e um enorme dilema em minha mente, eu apenas consegui correr na direção contrária as minhas duas opções:
- Alo? Mãe? Eu to indo pra casa!



Saturday, April 12, 2014

Um reino encantado

Ele tinha uma voz muito simpática. Disse que ligava de uma empresa que ficava em um pequeno país chamado Liechtenstein (precisei dar um mega zoom no Googlemaps para encontrar). Ele disse também que cobriria todas as minhas despesas com transporte e hospedagem caso concordasse em comparecer para a entrevista.
Mesmo que exitante, simplesmente fui.
Fui de trem. Alias, trens. Precisei de várias conexões até chegar na borda da Suíça em um pequeno vilarejo localizado no vale entre duas cadeias montanhosas chamado Buchs. De lá peguei um táxi que atravessou a fronteira para o reino de Liechtenstein.
Era um domingo, o sol estava a se por entre as montanhas. Pela janela do carro eu observava a paisagem encantadora, porem solitária. Não havia ninguém  pelas ruas, em parte alguma. Parecia uma cidade fantasma. O taxi parou em frente ao meu hotel. Também vazio. Embora a porta estivesse aberta, não havia ninguém na portaria, ninguém no restaurante, ninguém na sala de espera... Porém havia um envelope em cima do balcão e meu nome estava escrito nele. Dentro, uma chave e um número.
Aquilo tudo era para mim estranhamente intrigante.
Felizmente no dia seguinte pude ver alguns poucos funcionários do hotel no café da manha. Todos eram muito simpáticos e eu adoro uma conversa... Mas eu tinha um compromisso a comparecer.
Após uma longa entrevista na empresa - quase cinco horas - finalmente me disseram que eu poderia voltar para casa e caso fosse selecionada, entrariam em contato comigo. Exausta, chamei o taxi novamente.
Ao me deixar no hotel, o taxista disse:
- Você é uma pessoa muito simpática, descanse um pouco e se quiser mais tarde eu te levo para fazer um tour pelo reino.
Fiquei surpresa pelo convite. O taxista também não me deixou pagar pela corrida.
Desconfiada, cansada e sem entender nada, fui para o meu quarto.
Mas pensando bem, já que eu estava por lá, porque não ir dar uma voltinha?
Aceitei o convite daquele homem desconhecido, naquele país onde eu nunca estive antes.
Achei que seria melhor correr o risco do que ficar o resto do dia no hotel acessando o Facebook...
Ele era nativo daquela região. Nascido e crescido em Liechtenstein. Com muto orgulho, ele me levou pelas montanhas e castelos. Era apenas mais uma alma solitária em busca de uma boa conversa. Eu havia encontrado o meu primeiro amigo naquele país.
No dia seguinte parti para Darmstadt, na Alemanha, sem saber que retornaria em breve para aquele reino...
Eu, visitando a plantação de uvas do príncipe de Liechtenstein. - Foto tirada pelo meu amigo taxista.

Saturday, March 15, 2014

Recalculando a rota

... E eu cheguei em Frankfurt em um domingo, lá pela uma da manha, de mochila nas costas, totalmente cansada e ainda precisaria esperar quase uma hora para o próximo trem. Qualquer pessoa teria procurando um cantinho para ficar quieta nessa situação, mas não eu. Nesse intervalo de tempo, eu consegui dar conselhos para outros viajantes, bater boca com um mendigo, precisar fugir correndo e me esconder no McDonalds. - Eu contava as minhas aventuras a um amigo enquanto  saboreava um daqueles hambúrgueres enormes, tipo caseiro, nada parecido com o McDonalds, em uma lanchonete no bairro onde eu morava.
Ele sorriu.
- Não é exatamente o que acontece na sua vida que a faz tao interessante. Mas sim aquilo que você faz com aquilo que acontece. - disse ele.
Na verdade, esse amigo era uma daquelas pessoas com quem agente é feliz por algum tempo. Mas que depois desse tempo, simplesmente não é mais. Nem tudo o que é bom seria necessariamente bom para sempre. Felicidade é saber distinguir esses tempos.
O verão continuava lindo e dourado.
As minhas tardes eram bem acompanhadas, com diversos amigos no centro da cidade.
Entre lojas e cafés, sentados naquelas mesinhas redondas postas a rua, discutíamos sobre moda, teologia, economia, família, futuro...
Paralelo a isso, após algum tempo corrigindo pequenos erros de caligrafia e alguns conflitos com uma gráfica polonesa, conseguir finalmente imprimir a minha tese.
Com o certificado em mãos, eu estava pronta - pronta para ir embora de volta para o Brasil.
Metade das minhas roupas eu já havia enviado a doação. Casacos e outros acessórios de inverno não seriam mais necessários.
Mas foi em algum desses cafés no centro da cidade, em meio a uma dessas muitas conversas, alguém me disse que se eu quisesse mesmo voltar ao Brasil, já estaria por lá.
Talvez tivesse mesmo razão.
E foi assim motivada por uma dessas frases que faz um ninho na nossa cabeça que eu resolvi dar uma última chance para a Europa e me candidatei para algumas vagas de emprego nas redondezas.
Para minha surpresa novamente, meu celular tocou.
Sorvetinho em Frankfurt

Monday, March 10, 2014

C'est la vie...

... E no celular era mon petit peu, minha amiga Vero do Quebec. Ela estava vindo fazer um curso na Europa e passaria uns tempos na capital francesa.
Coloquei a minha mochila nas costas e parti de Genebra no próximo trem em direção a Paris. Lá, encontrei Vero acompanhada de outras canadenses que juntamente vieram para aproveitar as noites curtas do verão europeu na cidade de luz.
Vero foi umas das colegas de república que me ajudou quando eu morava no Canadá, após perder todos os móveis e roupas por conta de uma infestação de bedbugs.
São raras as pessoas para as quais o tempo parece simplesmente não passar; e como é interessante reencontrá-las após um longo intervalo. Elas nos fazem perceber o quanto nós mesmos mudamos. Talvez por uma mera lembrança de fatos ocorridos, ou então por um olhar longo e demorado, de olhos grandes e arregalados que exclamam sem receios: como você está diferente!
As meninas do Canadá eram todas marinheiras de primeira viagem na Europa. Trens, queijos e piqueniques eram novidades excitantes. O mais interessante para mim era notar que tudo aquilo já havia se tornado parte de uma vida quotidiana: o metro pichado, os batedores de carteira (que roubaram o Iphone da Courtney - eu avisei), os parques verdes com lagos e patinhos, os muitos turistas japoneses...
Sim, o tempo passa. O tempo passa por nós. Seja como brisa, ou como vendaval, ele imprime suas marcas mais profundas. Aqueles quatro anos de vida peregrina haviam me transformado em alguém diferente, mas apenas eu ainda não havia percebido...
O tempo também passou em Paris, de maneira muito agradável, com champagne e vista para a torre Eiffel.
Uma das nossas companheiras de quarto, era uma garota muçulmana bastante tradicional chamada Noeuf. Ela vestia roupas típicas e se ajoelhava em um tapete todos os dias para fazer as suas preces.
- Você se incomoda se eu ler a bíblia? - Perguntei.
- Não, eu fico feliz que você também tenha uma religião, assim você pode entender porque eu tenho a minha. - ela respondeu.
Todas as manhãs eram assim: eu lendo minha bíblia sentada na cama e ela ajoelhada fazendo suas preces no tapete. As outras meninas olhavam assustadas. Eu até posso compreender, pois essa era uma cena digna de uma fotografia.
Apesar de nossas diferenças, Noeuf se tornou mais uma amiga para a minha coleção. Foi muito interessante te-la também como companhia e poder ver Paris sob mais um angulo diferente.
Mas mesmo em terras francesas, o tempo continuou passando rapidamente e finalmente trouxe a minha hora de retornar a Alemanha.
A viagem prosseguiu após um abraco demorado da minha pequena velha amiga Vero, saudações das minhas outras novas amigas canadenses e promessas de que eu as iria visitar em breve no Canadá.
- Obrigada por tudo, obrigada por entender. - disse Noeuf.
Eu então entrei no próximo trem em direção a Frankfurt - que não partiu nas duas horas seguintes.
Os passageiros todos foram relocados para outros trens e uma viagem cheia de escalas, devido a contratempos nos trilhos.
Em uma dessas escalas, um palestino jogou uma mochila aos meus pés:
- Cuide para mim, já volto! - disse ele, antes de descer do trem.
Naquele momento, senti todos os meus ossos gelarem. Será que era uma bomba? Comecei a enviar mensagens a minha família, dizer que os amo e que estava tudo bem.
Pouco antes que eu tivesse um ataque cardíaco o tal palestino entrou novamente no trem e se sentou no degrau do vagão.
- Aqui está o que te pertence. - eu me levantei e levei a mochila até ele.
- Muito obrigada. - disse ele, que pegou a mochila e se sentou no meu lugar!
É cada criatura que agente encontra quando viaja...

descansando no campo de marte

aproveitando os últimos dias de estudante

McCafe em Paris é a coisa mais barata de café da manha

vivendo por aí...

A avenida mais charmosa
a mochila do palestino